Ontem estive acompanhando uma conversa com o prof. José Pacheco, idealizador da mítica Escola da Ponte. Me senti privilegiado por um lado e incomodado por outro.
Privilegiado de estar ali com uma daquelas raras pessoas que não só conseguem ter uma visão diferenciada das coisas, como fazer e construir novas propostas, deixar um legado que refuta o sistema vigente e ajuda a trazer luz para esse oceano que pensamos que vivemos . Sai me questionando, será que eu não poderia também fazer mais?
É impressionante como nós seres humanos temos capacidade de nos adaptar ao contexto. Mas essa característica que é uma grande vantagem, acaba se configurando como uma enorme armadilha também.
Recentemente li o Ócio Criativo de Domenico De Masi. Já deveria ter lido antes, mas foi um daqueles livros que fui deixando para depois e hoje me arrependo. Leitura obrigatória para quem, como nós, pretensiosamente, quer ajudar a reinventar a gestão e a educação.
De Masi é outro desses privilegiados que tem a capacidade de olhar e interpretar o contexto em que vivemos com outras lentes. Sai da leitura ainda mais indignado com o quanto vivemos uma crise de modelos, modelo educacional, modelo de gestão, modelo de trabalho, etc.
Para ele isso se dá, em grande parte, porque já vivemos em uma era pós-industrial, mas com a cabeça ainda da era industrial.
“Por duzentos anos a empresa manufatureira aperfeiçoou a sádica arte do controle sobre tudo e todos: hora de entrada e saída, despesas, ritmos e biorritmos. Hoje se tenta fazer a mesma coisa com as pessoas que exercem trabalhos criativos, que, ao contrário, requerem motivação. “ diz ele.
A forma de organizar o trabalho intelectual, sobretudo quando é criativo, é um campo ainda pouco explorado. Para organizar o trabalho físico existe imensa bibliografia, mas não sabemos bem como lidar com esse novo contexto do trabalho, assim como o da educação.
Para ele a imensa maioria dos escritórios ainda é horrível, com cores neutras, móveis e decorações de tipo hospitalar. Além disso, na sociedade industrial quanto mais tempo se passa no local do trabalho mais se produzirá, o que não necessariamente é verdade na sociedade do conhecimento.
Ideias não são peças e a quantidade e qualidade das ideias produzidas não é diretamente proporcional a quantidade de horas despendida no escritório. Inclusive trabalhar fora do escritório e mudar de ares estimula a criatividade. Então, por quê não ir trabalhar no parque hoje?
Enfim, como melhor gerir e educar para produzir novas e boas ideias? Será que sabemos fazer isso?
Suspeito que não, mal sabemos como usar bem o nosso tempo. De Masi diz: “Há duzentos anos passou-se do tempo “vivido”, ao tempo “aturado”, e agora finalmente, se começa a entrever a possibilidade de passar o tempo escolhido”.
Mas ao olhar as empresas, as escolas, e grande parte das instituições em geral a sensação é que estamos como peixinhos que viveram a vida toda em um aquário, e que quando soltos no mar passam um tempo nadando em círculos, como se estivessem ainda dentro do aquário.
Conhecer experiências inovadoras em gestão e educação nos alimentam e nos fazem enxergar o oceano fora do aquário, e é isso que tentamos, por vezes, compartilhar aqui no Blog. Esperamos que esse espaço possa de algum modo contribuir para ampliar horizontes e se permitir fazer diferente.
Excelente texto. Pretendo tornar-me assíduo leitor.
Incomodar-se é o primeiro passo para a transformação. Geralmente nos incomodamos somente com coisas pessoais, que dizem respeito apenas ao nosso aquário. O que mais me deixa feliz ao ler um texto destes, é de que o incomodo aqui vai além do nosso aquário, e transbordam preocupações com o oceano que é a casa de todos. A criatividade e inovação encontra barreiras nas burocracias dos processos dos sistemas de ensino, que enrijecessem a prática de educadores que querem mudar. Vamos sempre abrir espaços para pessoas inspiradoras como você e o Professor Pacheco. Obrigado por compartilhar boas ideias.
Excelente texto, Saulo!
Infelizmente, muitas empresas “ainda” tratam as pessoas que desenvolvem habilidades conceituais e criativas na organização com um enfoque taylorista de supervisão e métodos.
Com certeza, é preciso sair do aquário!
Grande abraço!
Flávia